Além do Bem e do Mal
As formas mais inferiores do mal originam-se e são fortalecidas pelo desejo de ter ou ser. Formas mais moderadas do mal consistem de ações menos fortemente motivadas pelo desejo, e toda a bondade consiste de ações baseadas nas mais finas e tênues espécies de desejo, o desejo de ter ou ser em um nível adequado, bom. O bem, mesmo em suas formas mais elevadas, está baseado no desejo que, contudo, é tão refinado e tênue que as pessoas não o consideram como algo ruim. O fato, porém, é que a boa ação não pode nunca trazer a completa libertação do sofrimento. Uma pessoa que se torna completamente livre do desejo, isto é, um arahant, é a pessoa que cessa de agir com base no desejo e, por isso, torna-se incapaz de fazer algo maléfico. Suas ações estão além das categorias de bem ou mal. Sua mente é livre e transcende as limitações do bem e do mal. Em consequência, é completamente livre do sofrimento.
Esse é o princípio fundamental do Buddhismo. Não importa se somos capazes ou se desejamos seguir esse caminho, essa é a maneira de nos libertar do sofrimento. Pode ser que hoje não desejemos segui-lo, mas algum dia, certamente, vamos querer segui-lo. Quando abandonarmos completamente o mal e fizermos o bem, no mais elevado grau, a mente ainda será aflita por vários tipos de desejos atenuados, e não há nenhum meio conhecido de se desfazer deles, a não ser lutar para se colocar acima do poder do desejo, ir além do desejo de possuir ou ser algo, ruim ou bom. Se existe o Nibbana, a libertação do sofrimento de toda espécie, então deve haver absoluta e completa ausência do desejo.
© Edições Nalanda, do livro de Ajahn Buddhadasa. “A causa do sofrimento na perspectiva buddhista”. Trad. Ricardo Sasaki. Edições Nalanda: Belo Horizonte, 1998. p. 42/43.