Destinado à Felicidade
Destinado à Felicidade
Texto e fotos de Colin Hinshelwood, Bangkok Post, 27 de maio de 2006
27 de maio marca o centenário do nascimento do falecido Buddhadasa Bhikkhu cujos ensinamentos inovadores deixaram uma herança reformista para o Buddhismo Theravada da Thailândia.
Suan Mokkh, Thailândia — Quando Sarah Medway, uma artista inglesa de 50 anos de idade, leu a programação para os próximos 10 dias, ela ficou nervosa.
<< Retirantes contemplam a vida
“Eu queria sair imediatamente. Quase não consegui passar pelo balcão de registro”, ela confessou. “Eu acabara de passar por uma transição difícil na minha vida e meu filho recomendou-me que eu fizesse isso. Ele me disse que simplesmente não era mais eu mesma”.
No terceiro dia, Sarah estava pronta para desistir. Ela mergulhou fundo dentro de si mesma e, na manhã seguinte, sentiu uma onda de calma e se adaptou à rotina estrita. No sétimo dia, ela chorou de desespero, mas nos últimos poucos dias, ela sentiu seu espírito nascendo de novo.
“É uma montanha-russa emocional”, concordou Matthew Carter, um instrutor de ginástica da África do Sul que tinha acabado de completar seu quarto retiro no monastério Suan Mokkh. “Mas isto limpa a sua alma”.
Wat Suan Mokkh está bucolicamente situado dentro de uma floresta em Chaiya, no sul da Thailândia. O monastério de floresta foi fundado em 1932 por um dos mais reverenciados monges da Thailândia, o Venerável Buddhadasa Bhikku (literalmente “Servo do Buddha”). Ele fundou o centro como um santuário para aqueles que quisessem praticar Vipassana (meditação do insight – visão clara).
“Minha verdadeira natureza era aquela de um monge da floresta”, escreveu Buddhadasa em 1943 e, pelos 50 anos seguintes, ele devotou sua vida a espalhar a palavra sobre o dharma (natureza) e encorajar Anapanasati (vigilância por meio da respiração) entre seus seguidores. Tal foi sua busca pela paz no mundo que Buddhadasa começou a convidar visitantes de diferentes religiões para seu retiro silvestre, esperando que eles levassem a mensagem de volta para suas casas.
Wat Suan Mokkh e a Sala de Meditação >>
Buddhadasa faleceu em 1993, mas seu legado vive em Wat Suan Mokkh. Gerenciado por devotos buddhistas e voluntários laicos, o monastério organiza mensalmente retiros para estrangeiros que desejam aprender Anapanasati e explorar a si mesmos.
As inscrições são feitas no último dia de cada mês (Wat Suan Mokkh não cancelou ou adiou nenhum retiro nos seus últimos 15 anos). Os dormitórios podem abrigar até 60 homens e 60 mulheres. As acomodações são espartanas: uma cela de concreto de 3 por 4 metros tem uma cama de alvenaria e uma esteira de palha. Espera-se que os retirantes imitem a rotina do próprio Siddhartha Gautama incluindo o mínimo de sono, andar descalços, comer somente pela manhã e dormir num travesseiro de madeira.
A Resposta Está Debaixo do Seu Nariz
Qualquer um que respire pode praticar a meditação Anapanasati. Ela não requer despesa, equipamento e nenhum planejamento. É boa para sua saúde e não tem efeitos colaterais.
As instruções para um iniciante são simples: sinta sua respiração entrando em suas narinas; siga-a até seu umbigo; sinta-a voltando para fora através de seu nariz; não pense em mais nada.
Ainda assim, é uma busca que poucos e preciosos mortais podem arrogar ter conseguido em uma só vida.
Aconselha-se que você comece sentando confortavelmente com a coluna ereta (o “lótus completo” e outras posições de yoga são puramente para aparecer). Tenha os olhos semicerrados e olhe para baixo em direção à ponta de seu nariz. Então, faça algumas respirações profundas. Siga sua respiração enquanto ela entra e sai. Na medida em que os pensamentos entram na sua mente, deixe-os passar. Retorne à respiração. Depois de um tempo, suas pernas, suas costas, seu pescoço ou todos os três começarão a doer. Ignore a dor. Volte à respiração. Continue focalizando na respiração até alcançar um estado de calma. Dissipe os pensamentos. Observe somente sua própria respiração. Ouça os sons à sua volta, mas não os analise. Inspire. Expire. Continue pelo tempo que você conseguir.
<< Jovem meditante trabalhando pesado
Se você perseverar, começará a experimentar uma sensação de formigamento na sua garganta como pequenos elfos dançando em sua laringe. Na medida em que a respiração se torna mais definida, você deve ser capaz de trocar seu foco para exatamente abaixo do seu nariz e, em vez de vigiar sua respiração, observe-a somente quando entra e sai de suas narinas.
Com prática contínua o meditante aprendiz deveria ser capaz de avançar para o segundo estágio ou para a Segunda Tétrade: um estado de entusiasmo. Os devotos mais experientes visam a Terceira Tétrade: a habilidade de observar ou examinar a mente. A Quarta Tétrade envolve a contemplação da impermanência de tudo, um estado tão avançado que talvez só os verdadeiramente “iluminados”, tais como o Buddha, podem possivelmente alcançá-lo.
Seria maravilhosamente fácil se não fosse por causa da mente, a qual continuamente divaga de volta ao passado, projeta-se para o futuro, incomodando você com lembranças, idéias e fantasias. Você luta para descarregar os filmes que passam na sua mente. Você batalha com emoções e frustrações. Sua vida não só passa pelos seus olhos como gruda e recorre. Você tenta desesperadamente e em vão ficar “no agora”.
Até se espera que você esteja vigilante enquanto está lavando e comendo. Você observa sua respiração enquanto está fazendo suas tarefas rotineiras. Cada retirante se compromete em ajudar na manutenção do monastério. As tarefas incluem rastelar as folhas, polir as tigelas e limpar os banheiros. Tudo isso cria uma cena ligeiramente surreal – a visão de uma dúzia de “farangs” (estrangeiros) trabalhando ao sol do meio dia, rastelando folhas para trás e para frente no ritmo de suas próprias respirações.
O programa diário no monastério da floresta é propositalmente talhado para encorajar a “vigilância”. Impossibilitados de dividir suas emoções uns com os outros, os retirantes são forçados a trabalhar internamente. Isso não é uma experiência de vínculo e a camaradagem é desencorajada. As regras de abstinência e a dieta vegetariana frugal garantem que o corpo esteja limpo e a respiração mais fácil de se seguir. A yoga matinal ajuda a soltar a tensão das nucas e ombros e permite maior flexibilidade enquanto se está sentado na mesma posição por horas a fim. Não existe televisão, nem rádio, nem celulares tocando, nenhum contato com o mundo externo. As distrações estão todas na mente.
Se você não tem tempo para meditar todo dia, você não tem tempo para NÃO meditar.
Tan Ajahn Dhammavidu emerge da floresta como uma miragem, seu manto cor de açafrão contrasta com o verde das árvores no fundo. Vagarosamente, ele circula o lago de lótus e vem para a sala de meditação ao ar livre onde 100 meditantes “farangs” estão silenciosamente trabalhando, respirando. O monge tira suas sandálias e sombrinha e se inclina face a parte frontal da sala de meditação. Serenamente tomando assento num pequeno púlpito com um microfone, ele bate de leve um pequeno sino três vezes para acordar os alunos de seus devaneios.
Sábio, porém humilde e secamente divertido, Tan Ajahn Dhammavidu oferece a palestra diária sobre os princípios buddhistas e a prática de Anapanasati.
O monge pode perspicazmente simpatizar com as frustrações dos meditantes noviços. Ele nasceu há 50 anos na Inglaterra e, como músico e artista, passou os anos 60 e 70 vivendo um estilo de vida hippie na Índia antes de se tornar um monge buddhista theravada nos meados de 1980. Tan Ajahn Dhammavidu diz que não se arrepende e nem sente falta do “mundo real”.
“A vida é sofrimento”, diz, apesar de que um sorriso irônico no rosto sugere que ele está bem feliz com sua porção. Recontando casos de seu passado travesso, o monge inglês mantém sua audiência compenetrada, um alívio bem-vindo para os que estão lidando com suas próprias almas problemáticas.
Com uma virada de ironia, Tan Ajahn Dhammavidu amarra sua narração relacionando-a aos ensinamentos do Buddha. Os Cinco Obstáculos para a efetiva meditação – desejo, agitação, preguiça, má-vontade e dúvida – são justapostos à analogia de se comer uma pizza enquanto dopado por haxixe numa hospedaria em Bengala. Cabeças balançam em apreciação. Ele deixa muita coisa sem dizer, mas sua mensagem é sempre clara: escolha o Caminho do Meio; não se engane; fique atento a tudo.
Os sinos tocam novamente para mais uma hora de meditação caminhando. Silenciosa e atentamente, os sábios andam devagar como zumbis em volta das terras do monastério. No nono dia, pede-se que os alunos devotem o dia inteiro à prática de meditação. Não há almoço neste dia, só o desjejum. Não haverá cânticos, nem yoga. As poucas distrações que poderiam existir são removidas e os meditantes lutam para atingir o nível mais alto que puderem.
Como o retiro caminha para um final, os membros sobreviventes refletem sobre o que provavelmente foi o mais longo dos 10 ou 12 dias de suas vidas:
“Eu tenho muito respeito pelo buddhismo, mais ainda depois do retiro”, reflete Sarah. “Acredito que Buddha descobriu a física quântica a 2.500 anos atrás”.
“Definitivamente vale a pena fazê-lo ao menos uma vez na vida” divagou Márcio Assis, 27 anos, do Brasil. “O travesseiro de madeira foi duro; sopa de arroz para o desjejum todos os dias foi duro; acordar às 4 da manhã foi duro. Mas, no final, senti uma atitude mental muito mais positiva. É uma oportunidade de deixar para trás o mundo capitalista e olhar para dentro”.
“Considerando que eu estava aqui para pensar sobre nada, eu nunca pensei tanto em minha vida”, confessa Andréa, uma aluna alemã.
Como muitos outros, Andréa foi recomendada a ir ao Wat Suan Mokkh por um amigo e veio para “purgar os demônios” depois de término traumático com seu namorado. No final do curso ela sentiu que tinha finalmente fechado um capítulo em sua vida, mas não sem angústia e o derramamento de muitas lágrimas.
Um para subir, Scotty!
Se você já visitou um dos grandes lugares sagrados do buddhismo, tais como Lumbini no Nepal, o lugar de nascimento do Buddha, você já deve ter notado a maneira descuidada com que muitos habitantes abordam os locais turísticos. Famílias indianas correm espalhando amendoins, tirando fotos, rindo. O buddhista ocidental convertido, por outro lado, tende a querer dar esse passo além com austeridade. Ele se sentará debaixo de uma árvore, diante de centenas de tolos e risonhos turistas, e meditará desesperadamente, sem dúvida desejando alcançar um plano mais alto e, de preferência, antes do templo fechar para o dia.
Outros preferem tomar alucinógenos ou fumar maconha antes de descer para um dia duro de meditação. Você os encontrarão nas praias da Thailândia ou de Goa. Eles param a cada cinco minutos para mais uma dose.
Depois de incontáveis retiros e milhares de turistas e desejosos de ser buddhistas, Reinhard Holscher, um dos coordenadores do programa, é cético quanto ao que chama de “Coelhinhos da Felicidade”.
“A meditação é um trabalho para toda a vida”, ele diz. “Iniciantes não podem alcançar nenhum estado avançado em apenas 10 ou 12 dias”.
É aí que jaz o conflito na mente ocidental. Enquanto muitos orientais parecem nascer com um senso natural de habilidade para a meditação, o impaciente e caprichoso ocidental tende a achar que todo o processo é apenas uma tarefa impossível de ser realizada.
“Queremos a Iluminação agora, ou estouraremos nossos miolos tentando!” ele diz.
O fato verdadeiro é que somente uma vida ascética é condutiva a uma meditação bem sucedida. Álcool e drogas simplesmente não adiantam. É uma busca pessoal, não há competições ou Campeonatos Mundiais de Meditação. É um assunto pessoal entre você e sua alma.
Apesar dos sinais de aviso, mais de 120 ocidentais fazem suas malas e entram no monastério em busca da Iluminação todos os meses – os jovens e os incansáveis, os militantes buddhistas e os renascidos curiosos, uns escravos da rotina, outros em encruzilhadas, outros em becos sem saída, alguns procurando por respostas, alguns olhando para algum lugar dentro, outros para algum lugar fora, os atormentados, os confusos, românticos, viciados, rebanhos e um sortimento de almas perdidas.
Dos 96 que apareceram para o programa de 11 dias em abril de 1996, apenas 67 completaram o curso – tal é o tormento psicológico que muitos têm que aguentar.
“A maioria dos que saem fora são jovens e não têm a menor ideia do que esperar”, Reinhard diz.
Outros não conseguem ter o suficiente. Andy é um jardineiro da Alemanha e já veio a 20 retiros em Wat Suan Mokkh. Depois do 11o dia de cada curso, ele se muda para o outro lado da estrada para o monastério principal por duas semanas “para colher os resultados”.
Completando o retiro, os alunos são bem-vindos a ficar no monastério principal se quiserem mais tempo para praticar meditação num ambiente silvestre ou se eles não se sentirem prontos para voltar para o mundo exterior.
Fundamentalmente você volta para o espaço selvagem, para o tráfego barulhento, luzes brilhantes e a comoção da vida do dia a dia. Mas enquanto pega uma carona de volta para Surat Thani na traseira de um caminhão, você sente um novo começo, uma estranha sensação de que sua vida está de alguma forma mais aberta do que você poderia imaginar antes. Seus sentidos estão mais claros: você pode sentir o cheiro da grama e das árvores, você pode sentir a brisa solta nos seus cabelos como nunca sentiu antes. Você encara milhares de pessoas na rua e simpatiza com cada uma delas. Você “nasceu de novo”. O mundo é agora a sua ostra.
Com uma súbita explosão de alegria você grita para o ar: “Carpe Diem!” E, talvez, pela primeira vez na sua vida, você verdadeiramente diz isso pra valer.
Os retiros de meditação do Wat Suan Mokkh (em inglês) são realizados do 1o ao 11o dia de cada mês. Inscrição: Um dia antes que o retiro comece. Custo: 1500 baht para alimentação e acomodação Retiros em língua thai são realizados do 19o ao 27o todo mês. Contato: The Dhammadana Foundation, c/o Suan Mokkhabalarama, Chaiya, Surat Thani, Thailand, 84110. Telephone/fax: 07-743-1597. Web site: www.suanmokkh.org/. Suan Mokkh está situado na Highway 41, perto de Chaya, 50 km. Ao norte de Surat Thani. Trens e ônibus: use a principal linha de trem ou rodovia entre Surat Thani e Bangkok. Aeroporto mais perto: Surat Thani
Retiro de meditação:
- 4h.: acordar, banhar-se, meditar, yoga.
- 7:30h.: desjejum, tarefas, palestra do dharma, meditação, meditação caminhando, meditação.
- 12:30h.: almoço (última refeição do dia), tarefas, meditação, meditação caminhando, meditação, cânticos.
- 18h:. xícara de chá, banho quente nas termas, meditação.
- 21h:. Cama
Não ler, não escrever, não fumar, não beber, nenhum pensamento ou atividade sexual, não conversar.
© 2006 tradução de Ana Carmen Castelo Branco, para a Comunidade Nalanda,
https://buddhadasa.nalanda.org.br